terça-feira, junho 29, 2004

O Espelho e a Imortalidade

Nesses confusos dias, em que anônimos se esbarram em tantos lugares, vivem pessoas muito, muito especiais, com pensamentos profundos, complexos e muito pertinentes a respeito da vida. A essas pessoas, resolvi chamar Eternos. Isso mesmo. Não creio que sejam pessoas nascidas no Brejo da Cruz, mas é possível que sejam filhos desses meninos alucinados. Os Eternos têm o dom de ter dons, e sabem lidar com qualquer tipo de situação. São donos de uma sabedoria esplêndida, perspicazes e capazes. Os Eternos parecem ter presenciado toda a História da Humanidade, de tão convincentes que são. Na verdade, não se sabe se esses tais são muito sábios ou muito queridos. É possível que seja um misto dos dois.

Alguns dos Eternos são enviados para escolas especiais, ainda na puberdade. É como a Escola dos Mutantes, mas real e sem professor Xavier. Na verdade, muitas vezes não tem professor algum, uma vez que é escola da rede pública. E também não há aulas, como numa escola normal. Respeitadíssimas, estas escolas mantém a grade curricular convencional apenas como faixada. Seus alunos passam a maior parte do dia divagando sob a fresca sombra das gentis árvores que se erguem para guardar estudantes tão especiais. Eles filosofam, tocam violão, escrevem músicas e recitam poesias, se apaixonam, se alimentam de iguarias inigualáveis - como promoções de joelho + refresco de caju -, promovem jogatinas de Sueca e Buraco para exercitar o raciocínio, usam roupas de todas as cores com seus jalecos azuis mágicos que os deixam mover-se livremente pela cidade e ministram sessões de trotes para iniciar os novos Eternos que são anualmente admitidos.

Muitos Eternos também se interessam por política, e usam um uniforme padrão: a camisa vermelha, com o rosto de Che Guevara estampado na frente. Estes formam a milícia das escolas públicas: em tempos de crise, seguem na linha de frente do exército docente, e usam suas camisas para disfarçar as manchas do próprio sangue, fruto da violência entre as tropas de choque do Império. Costumam se reunir com freqüência na sede do Grêmio. Outros Eternos se interessam por esportes, e participam das famosas equipes de Handebol e Volleybol que viajam pelo país. As Eternas mais lindas costumam fazer parte desses times. Tive a oportunidade de acompanhar Eternos na Comdex, em 99, no Anhembi - São Paulo. Não me lembro de nenhuma Eterna na viagem, uma vez que tinha a ver com computadores.

Muitos Eternos usam alucinógenos ilegais, e isso traz a eles malefícios a longo prazo. É prometido a eles a possibilidade de retornar à sua Dimensão Natal através do uso desses narcóticos. Infelizmente, estes são eternos que que acabam com seu desenvolvimento retardado, e há relatos de que muitos deles vêem Gnomos e Duendes entre os Jardins do Pátio. Alguns poucos conseguem viver normalmente com isso, mas eu pessoalmente repudio o costume.

Alguns Eternos sofrem do Júbilo. Outros viram Terroristas. São casos minoritários, mas chocantes. Mais tarde, acabam passando de Eternos pra Vagabundos mesmo.

Alguns dos novos estudantes destas escolas, porém, não são Eternos. E foi minha felicidade ter sido escolhido pelo próprio Destino para estar ao lado dessas pessoas e aprender com elas. Lá, vivi uma das etapas mais felizes da minha vida. Aprendi com os Eternos tudo o que se deve saber sobre respeito e convivência com o próximo. Aprendi a escrever poesias, a compor canções com o coração, a enxergar através dos olhos de quem me vê. Aprendi também a não usar de artifícios sociais, sendo o mais transparente e humano possível. Tudo isso, entre muitas outras coisas, como sentir amor por alguém. Infelizmente, essa lição não deu certo. Vira a página. :P

(pigarreio) Ahamm... Voltando... Ao se formarem, a grande maioria dos Eternos já está pronta pra vida, mas não sabem disso. Muitos se desviam dos caminhos corretos. A verdade é que a maioria deles são espalhados pelo mundo, e em geral se reúnem em grupos de dois ou três, para celebrar eternamente uma amizade muito, muito fraternal.

Eventualmente, eles se reencontram, como que por acaso, e se surpreendem tanto um com o outro que acabam com um sorriso no rosto e uma alegria no coração que não acaba por no mínimo uma Lua. Toda a natureza se regozija disso, e há então uma semana de paz no mundo, dada pelo próprio Deus, o Eterno dos Eternos.

A maneira de um Eterno reconhecer outro é a parte mais curiosa de toda essa história. Ao olhar com seriedade e olhos com crítica social e humana, um eterno vê a própria imagem no peito do outro Eterno, como um espelho.

E mesmo que em galáxias distantes, os Eternos se regozijam como podem da distante companhia de seu reencontrado irmão.

*** Boituva não tem bancos ou caixas eletrônicos funcionando nos finais de semana.


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