quinta-feira, julho 01, 2004

A Poetisa e o Filósofo - O Primeiro Diálogo

Philosophers and ploughmen
Each must know his part
To sow a new mentality
Closer to the heart


Estava lá aquela armadura, com suas juntas firmes e aparência imponente. Sentada, imóvel. Por dentro daquele exoesqueleto metálico, jazia o Filósofo. Inundado em pensamentos a respeito de vida, morte, terra, fogo, ar, água e milhões de outras sombras que passavam ligeiras mas não despercebidas, tinha ao seu redor uma miríade de conclusões descritas no chão. Fitava cada um dos traços de seus pensamentos, e de tanto encontrar soluções pra tantas coisas diferentes, esqueceu o motivo pelo qual estava ali.
Agora, quase sem poder se mexer, notava algumas leves pegadas sobre todo o seu trabalho. Alguém passara por ali.

Distraído, o Filósofo não sabia se voltava a pensar ou se procurava a dona das pegadas. Foi então que seu telefone tocou:

- Alô, Filósofo?
- Oi! - Com um sorriso, o pensador logo reconheceu a amiga. A voz atravessava abafada aquela armadura completa de bronze recém comprada, novinha em folha, que passou a usar pra se proteger dos ataques de perigosas paixões que rondavam por aí, sem autorização do Rei. Antigamente, usava camisetas de algodão, somente.
- Liguei pra te dizer que não foi apenas por acaso que você a encontrou. Beijos, e boa viagem! - O telefone desliga.

"Que estranho", pensa o Filósofo. Voltou a reparar no chão, e sua surpresa foi grande ao ler os seguintes versos, rabiscados sobre suas idéias:

Vida do mesmo sopro, espalhados
Como areia em mármore polido
Próximos, mesmo que tão distantes
Somos Carvão e Diamante


A estrofe lhe era incrivelmente familiar. Uma brisa foi soprada através das grades de seu ilustrado elmo. Uma melodia encantadora e feminina, espertamente sussurrada através das frestas da armadura dizia assim:

Sou a água pela qual anseias
Beba de minhas palavras,
Prove de minha alegria
Sou Metáfora, sou Luz
Sou a bela Poetisa


Ao terminar de ouvir essas palavras, o Filósofo removeu seu brilhante elmo, que o protegia de pensamentos sonhadores:

- Quem está aqui? - Retrucou o Filósofo - Quem invade minhas lembranças? Entraste pelo meu ouvido, boca ou nariz? Como chegou até minha mente?

Percebeu o cantar da natureza. Foi então que o pensador começou também a enxergar. Das formas desenhadas no chão, um pequeno redemoinho formou-se. Reuniu poeira e cosmo, dando formas ao amorfo, erguendo do vão e do vácuo sinuosos traços femininos. Os passos terminavam exatamente onde parecia estar presente há uns 7 anos uma mulher, de pé, a observar atenta e sorridente os pensamentos do homem. Um sorriso largo e amigável enfeitava seu delicado semblante:

- Poetisa?? O que fazes aqui?! Como não a vi antes?
- Surpreso, meu bem? - A poetisa, sarcástica.
- Ora, mas é claro! Agora então me lembrei o motivo de minha estada!

A poetisa se aproxima e estende a mão ao Filósofo, que ao tentar tocá-la, percebe a enorme distância entre os dois:

- Como isso é possível?! - O Filósofo se torna perplexo demais em suposições. Ao passo que a resposta da poetisa foi:

Olha-me com teus olhos
E compreenda-me por completo
Somos do céu e mar o encontro
O milagre do horizonte
A suave linha intrigueira

Disseca-me em teus pensamentos
Vês?! Ninguém mais o vê
Como agora te percebo

Faço-me bruma e tu me respiras
como fragrância perfumada
Mudo, ao que tu mudas,
Somos Lua e Maré

Sonho, ao que tu sonhas
Fantasio, tu realizas
Realizo, e tu fantasias


Ao tom que o Filósofo completou

Somos o que houver de ser
Somos o que quisermos brincar
Neste mundo de muitas trilhas
Tracei aqui, tracei ali
Liguei as mil maravilhas
Mas tu nunca apareceste
Ora, sou eu um louco
Ou um cego a te procurar?

Um ex-desesperançoso
Com um motivo a me abalar
Mas agora, te vejo aqui
Te vejo aqui no meu peito!
Estás em todos os lugares
Que vislumbro!

Penso, e tu estás aqui
Na minha cabeça, a me assistir


E uniram a voz:
Pra onde quer que cantemos
Chuva, céu e mar enfrentaremos
Fogo, terra, deserto
Ou qualquer linha de pensamento
Ou qualquer metáfora
Em qualquer tempo
Chuva, céu e mar em pensamentos


E ruborizaram, ao notar que suas vozes formavam um dueto surpreendente.

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