quarta-feira, março 28, 2007

A Normalidade Do Lado De Lá

No momento em que descia as escadas rolantes, a visão foi interessante e aterradora, ao mesmo tempo: do outro lado da parede de vidro, outra escada rolante, idêntica, disposta simetricamente, em funcionamento. Era também uma escada de descida, como a minha, mas estava completamente vazia de passageiros.

Funcionando de maneira síncrona, a impressão que dava no canto dos olhos era a de que uma legião de espectros translúcidos com suas bagagens desciam naquela escada - a seção de almas do aeroporto. As imagens translúcidas chegavam ao final da escada e começavam sua caminhada para a área de recuperação de bagagens, como se tudo fosse muito normal por lá.

Ao chegar eu mesmo no final da minha escada, do meu lado da parede de vidro, me vi - ou à minha recém-inventada alma-gêmea translúcida - do outro lado da parede. Também lá aquele espectro me olhava, imitando meus movimentos, como em um espelho. Também ela me virou as costas e foi buscar suas bagagens, me olhando nos olhos até o último instante. Naquele momento, me fiz a seguinte pergunta: "Como as almas são levadas para o céu?", e mais tarde, a pergunta: "Quantas almas têm subido, e quantas têm descido, ultimamente?". Mais tarde, a ironia conclusiva: "Se reencarnação existisse, talvez também um programa de milhagens pras inúmeras viagens que fazemos. O preço da passagem e estadia talvez explicasse as condições de nossas circunstâncias aqui".

Descartei as perguntas e conclusões, porque todas elas seriam válidas também naquela outra normalidade, através da parede de vidro. Mesmo assim, só voltei a mim, completamente, ao checar meus bolsos, quando saí do aeroporto - a esponja para banho que esqueci de colocar na bagagem me deu a certeza, de lá do fundinho do último compartimento da bermuda, de que eu ainda precisava tomar pelo menos mais um banho, se possível.

Ela trazia pra mim, naquele momento, toda a normalidade do lado de cá daquela mesma parede.


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