quarta-feira, março 09, 2005

A Letra e a Imagem

Anda há pouco reparei em um dado estatístico: eu tenho passado passado a maior parte do meu dia lendo, ou escrevendo. É óbvio: isso parece ser bem normal. Mas se pararmos pra pensar, pode ser o costume, hoje. Mas não é o natural, propriamente dito. Natural é criar uma linguagem para expressar e transmitir informações. Natural também é evoluir para novas formas de linguagem. O símbolo da letra começa a não fazer muito sentido em nossa época, quando precisamos de mais "largura de banda" mental para capturar as idéias ao nosso redor.

Mas o que seriam estes 'novos símbolos'? Curso expresso de leitura dinâmica? Provavelmente não. Temos vários sentidos para captar a informação, no qual a visão é, no caso do texto, a principal delas. E mesmo esta é mal aproveitada. Afinal, o que são as palavras perto de uma imagem? O que é o preto-e-branco de um artigo perto do potencial das tonalidades? O hipertexto, no meio eletrônico, nos deu uma visão organizacional similar à que temos em nossas cabeças. Mas esta reorganização nos rouba a noção quantitativa de tudo o que temos pra ler, por exemplo. Em um hipertexto muito disperso, podemos facilmente nos perder dentro do conteúdo.

Pois bem. O hipertexto expande a organização informacional. Replica no mundo eletrônico das idéias o que temos em nossa mente. E o texto, como matéria prima, é uma mídia muito pobre se comparada às outras mídias. Dado o impacto que tivemos do "hiper-meio" sobre o texto , imagine o que aconteceria se esta hiper-dimensão fosse aplicada também às outras mídias?

Esta é uma boa questão: a substituição do texto (e hipertexto) como forma principal de transmissão de conteúdo por outros meios, que aproveitem toda a amplitude de nossos sentidos. Para se ter uma idéia: uma pequena nova adição à mídia do texto - um texto colorizado, por exemplo, nos traria inúmeras informações adicionais. Ou o texto multi-estilizado. Uma alteração de fonte, tamanho, estilo ou cor poderia nos trazer padrões à mídia lida, e reconheceríamos através dessas informações puramente visuais alguma informação subjacente. Tome como exemplo um suposto dicionário colorido, onde as diferentes classificações morfológicas (verbo, substantivo, artigo) trouxessem cores específicas às palavras definidas.

O principal desafio do texto hoje é sua análise semântica (de sentido) automática. Se houvesse, por exemplo, um meio de analisar eletronicamente os sentidos do texto para diferentes contextos, poderíamos - similarmente aos meios matemáticos de projeções de números - estudar um texto, e produzir um segundo texto, automaticamente. Mentalmente é uma tarefa bem simples, se há a cultura prévia do conhecimento relacionado à produção textual em questão. Mas como produzir uma resenha de um livro de maneira puramente eletrônica e automatizada? Similar ao estudo da estatística, medir o comportamento de um texto requer o estudo de inúmeras variáveis.

Desta perspectiva, começamos a perceber um pouco mais da grandiosidade da complexidade textual. Ela está indiretamente relacionada a todos os nossos sentidos, já que a leitura sempre nos traz a mistura de recordações de vários fatos prévios - fatos que podem ser autitivos, olfativos, visuais, palativos, táteis ou emotivos.

Por que achar então a produção textual contemporânea pobre? O problema em compreender um texto reside no trabalho de realizar a cognição (ligação) entre as idéias deste e a experiência pessoal prévia, durante sua leitura. Elementos diferentes do texto puro - as cores, por exemplo, podem alavancar a compreensão da informação. Novamente: o que interessa, no fundo, não é o texto em si, mas o objeto alvo do texto - o leitor. Sendo assim, não precisamos necessariamente nos prender ao texto, mas à informação e à formação do alvo, não importa por qual meio esteja sendo passada.

Se o texto, que é somente um texto, possui todas estas dificuldades para ser compreendido e estruturado, imagine o vídeo, o áudio e cada uma das outras mídias? Transportar a linguagem e sua análise para cada um destes meios é uma tarefa para este século, certamente. E talvez para o próximo também.

Outro ponto interessante: o texto é uma mídia confiável. O dia em que uma filmagem servir de contrato, saberemos que o vídeo também é confiável. Em 2002, nosso governo criou uma lei na qual documentos eletrônicos podem servir da mesma forma que papel impresso. Mas isso é papo pra micreiro. O mercado pra estas aplicações é emergente - GED (Gerenciamento Eletrônico de Documentos). São basicamente os contratos textuais assinados e posteriormente escaneados, guardados como arquivos de imagem em bancos de dados. Já é um progresso.

Resumo da ópera: quanto mais sentidos atingidos, maior e mais rápida a possibilidade de transmitir a informação. E mais complexa a sua estrutura, porque se aproxima cada vez mais da linguagem da natureza.

De uns 5 ou 6 anos pra cá, desenvolvi muito maior apreço pela música e pela natureza intuitivamente, ao notar inconscientemente a quantidade de experiências que recebia com elas. De fato, hoje minha emotividade é prontamente despertada com artes - talvez justamente por lidar o dia inteiro com o "limitado" texto. Acho que minha percepção está carente de meios mais amigáveis e rápidos de comunicação.


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