sábado, março 19, 2005

Teoria do "Amai-vos"

Marcelo, você me trouxe à tona uma boa pedida pro próximo post! Eu me lembro de uma conversa que tive contigo e algumas outras pessoas lá em casa (não me lembro quem mais estava).

É a teoria do amai-vos.

O que estaria pensando Jesus quando disse "Amai-vos uns aos outros assim como Eu vos amei"? Certamente que deveríamos pensar antes de causar algum mal premeditado a alguém. E ainda, que devemos perdoar quando nos causarem algum mal. Mais além, que deveríamos também nos esforçar para que as pessoas ao nosso redor tivessem uma vida melhor. E mais ainda, que devemos nos sentir responsáveis por elas. E por último, que somos na verdade devedores de nossas próprias vidas para o próximo. Seja quem for.

Muito radical, não? Pois bem. Examinemos o mundo contemporâneo. Aquela velha história: crescer, trabalhar, acumular, envelhecer, deixar para a descendência. O que há de errado com isso, afinal? Hora, se estamos falando de dinheiro guardado, teoricamente estamos com um bom curso de ação, não?

É claro que não. Se observarmos a quantidade de tempo que este dinheiro fica parado (décadas), então estamos falando de décadas sem fazer algo de útil com este valor. Nem você, nem outros. Não venha me dizer que "tá rendendo", ou que "o banco empresta pra quem precisa". Já viu banco emprestar pra pobre? Complicado demais, sem garantias de recebimento. O cliente precisa ceder garantias. A Zogby e seus similares sabem cobrar juros mais que exorbitantes, porque daí um pobre ajuda a custear o rombo que o outro abre nas contas.

Sim, este valor parado no banco de quem é rico poderia ser usado para algo melhor. Mas é complicado ser um no meio da multidão. Imagine-se cedendo toda a sua riqueza no meio da favela para os pobres. Se você tivesse R$50.000,00 guardados em um banco, por exemplo, e resolvesse distribuir em uma favela de 5000 habitantes, que por sinal é pequena, então ficam 10 reais pra cada um, e zero pra você. Pois é, ninguém ganhou melhores condições de vida, e você ainda pulveriza o seu capital. Faz dinheiro virar poeira.

O que faríamos, então? Ora, "bota nêgo pa trabalhá"! Com 50.000 você pode abrir uma pequena confecção (um exemplo), ou uma doceria. Se você contratar 10 mulheres a 400 reais/mes, então vai incorrer num custo de mão de obra de 4000 Reais/mês. 10 Doceiras (ou costureiras) atingem aproximadamente 50 pessoas, se tivermos uma média de 5 pessoas por família. Supondo que você tenha um gasto de 3000 Reais com matérias-primas/contas, então seu gasto mensal vai ser de 7000 Reais/mês. Levando em conta que, em geral, mulheres são mais conscientes com dinheiro familiar do que os homens, estaremos aumentando as chances de beneficiarmos crianças. Pra quem mora na favela, 400 Reais é uma fortuna. Isso melhora a qualidade de vida, com certeza. Estabelecidos os canais corretos de distribuição, este negócio é perfeitamente sustentável, e você acaba criando uma pequena indústria na zona pobre. Recuperar o dinheiro gasto é mera questão de tempo, e o negócio estará consolidado, se for bem feito. Você lucra ao mesmo tempo que traz dinheiro pro bolso da favela. Isso é extremamente interessante. Mas você pode querer apenas recuperar seu montante inicial, e depois deixar a pequena indústria na mão de quem souber tocá-la - destas mulheres, por exemplo. No caso de comidas, o lucro é, em geral, bem alto. A grana pode ser recuperada em 1 ano e meio, creio. e um lucro de mais de 200%, pros interessados, acho que dá pra atingir em 3 anos de atividade. Pra 200% de LUCRO em 3 anos, é mais do que 60% ao ano, muito melhor índice do que os bancários, com certeza.

Isso sem falar dos benefícios indiretos: compre ingredientes de vendas locais. Em geral, são mais baratos e ainda estimula o comércio local. Compre comida daquelas moças que vendem pra fora, etc etc. Cria-se um pequeno pólo com a aplicação de 50000 reais em uma favela. É dinheiro multiplicado.

Não distribua esmolas, nem comida. Ensine a pescar, a trabalhar. Bom, esse é um ponto. Não é distribuindo dinheiro que se aumenta a riqueza. É semeando e gerando valor.

Você sabe o que o banco faz com seu dinheiro? Complicado saber, o banco tem contas privadas. Vamos a outra historinha.
Mercado de ações. Sabe pra que serve? Imagina que uma empresa seja dividida em pequenas partes de 10 reais, e cada uma dessas partes possa ser chamada de "ação". Ação vem de "ativo". É um papel (um documento) que diz o seguinte: o portador deste papel é o dono de 10 reais de todo o dinheiro que compõe a empresa. Pra uma empresa de 1000 reais, teríamos 100 ações. É claro, as empresas no mercado da bolsa de valores são muito maiores do que isso. Há milhares de papéis com essas frações das empresas. Quando você tem papéis de alguma empresa, pode resgatar seu lucro, na época em que há a distribuição de lucros e dividendos - dá-lhe Banco Imobiliário!

Essa história do lucro cheira bem. Cheira tão bem que, se eu sei que a empresa vai gerar dividendos, eu posso vender esse papel pra alguém. Mas não vou vender por 10 reais, porque sei que há alguém a fim de comprar essa fonte de grana. É como um manancial, jorrando dinheiro lentamente. Ou pode nem jorrar grana, e continuar sendo atrativo - no caso de reestruturações e alto índice de investimentos internos.

Esse papel diz que eu sou dono de 10 reais lá na companhia (o equivalente ao grampeador da secretária, por exemplo). Mas eu vendo por 15, porque sei que no longo prazo essa grana que "nasce" da empresa vai cobrir esses 5 a mais no bolso de quem comprá-la de mim. Perfeito, não? E assim, quando há notícias boas, o preço da ação sobe. Quando há notícias ruins, o preço da ação desce. E raramente o preço da ação iguala a parte de direito na companhia. O mercado é perfeito nessas ondas de sobe e desce de preço. Mas quando alguém negocia as ações que tem, a empresa emissora da ação não recebe nenhum benefício direto de capital. Não há entrada de dinheiro na empresa. O benefício que se gera pra empresa é uma outra história.

O banco, nosso famigerado banco, lá onde temos nossos hipotéticos 50000 Reais, compra ações quando seu preço tá em baixa, e vende quando o preço tá em alta. Em suma, o jogo é: se o preço tá muito baixo, vai subir, e se o preço tá muito alto, vai cair. Pois bem, essas negociações são feitas com outros financistas, e em geral não há benefícios para o povo. Dinheiro grande, é verdade, mas que não serve de nada. A bolsa é uma grande jogatina.

Não há mais por que manter o dinheiro exclusivamente no caixa. Pronto. Aqui encerro essa coisa de banco.

Eu sei que o negócio tá se estendendo um pouco mais do que deveria - eu juro que meu próximo post vai ser mais curto. Mas vamos a uma próxima questão - essa muito mais importante que a anterior.

Seja um universo de 50 pessoas. Se todas olham somente pro próprio umbigo (é o "universo não-amai-vos"), então em qualquer momento desse universo egoísta podemos dizer que apenas uma pessoa se preocupa com cada uma delas ao mesmo tempo: a própria pessoa, admirando seu lindo umbigo.

Alguns umbigos são tão lindinhos...

Seja um universo de 50 pessoas. Se todas tomam conta do bem estar das outras e deixam de cuidar de si, então teremos em qualquer momento 49 pessoas cuidando de cada uma delas. Esse é o universo do "amai-vos".

E então, em qual destes universos você gostaria de estar?


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