sexta-feira, fevereiro 04, 2005

Argumento da Decepção

Gostei do que a Nany falou do último post. Bom, vou retomar o texto passado. Vou tentar compor um argumento, com base nos achados que ela trouxe ao post.

Decepcionar-se é provar que você estava errado.
Correto.

A decepção é um erro.
Pra mim, a decepção aponta um erro. Ela não é o erro em si. Se a decepção é a prova de que estávamos errados, como pode a própria prova ser errada? Se a prova do errado é errada, então não temos nada para falar do errado. Ele pode até mesmo estar certo. A decepção é uma forma de "luz vermelha", que acende para que notemos que nosso pressentimento está errado. Isto mesmo, errado.

O pressentimento nos guiou erroneamente.
No caso em que o pressentimento nos indica o caminho errado, ele próprio não é um erro. O erro é conteúdo fundamental do pressentimento. É o fim que esperamos do tempo. O pressentimento é apenas um motivador. Sua essência pode ser equivocada, mas pressentir é natural. O hábito de pressentir não pode ser suprimido. Do contrário, nos sentiremos perturbados por ele. E utilizá-lo como pretexto principal de nossas ações pode ser uma desculpa ruim para nossos fracassos.

O que há de errado, então?
Revisão: a decepção nos confirma que o conteúdo de nosso pressentimento é um equívoco. O que "preenche" nosso pressentimento vem de duas famílias de coisas: as internas e as externas. Por internas, acredito que a moral e o raciocínio são duas das ferramentas que usamos pra processar o que há externamente. E nosso canal de entrada é a percepção; a sensibilidade. Quanto mais sensíveis, mais informações externas coletamos.

Se você colhe evidências e processa-as de forma errada, então isto se dá como erro pessoal. O substrato desse processamento preenche seus pressentimentos, no momento em que tentamos adivinhar o que há por vir. Se você coleta informações e processa corretamente, mas estas informações não estão corretas ao chegar, então isto pode ter sido motivado por insensibilidade necessária ao fato. Ouvir um pagode pode exigir muito pouco de seu ouvido. Ouvir um clássico certamente vai exigir muito mais. Se você acha música clássica ruim, então provavelmente não está interessado em abrir sua sensibilidade à música verdadeira. Se você gosta de funk, paciência.

Mas e se tanto a sensibilidade quanto a criatividade (processamento) dessas impressões externas não estiverem errados? Vamos às externalidades.

O que há entre a luz e seus olhos são as cores. As pessoas transmitem as cores da maneira que desejam. Assumo que este canal seja perfeito para que vivamos, então não causa perdas de informação. Mas o que o outro transmite pode estar equivocado. Este é o fruto de duas coisas: falta de sinceridade, ou resposta a algum estímulo errado que esta pessoa recebeu de você, em uma interação anterior.

De maneira geral, quanto mais sinceros somos, mais sinceras as pessoas tendem a ser conosco. E quanto mais sombreamos nossos verdadeiros motivos, mais os outros se desviarão do bem em suas ações. A transparência é o que chamo "o bem". Um canal limpo, onde a informação flua sem problemas.

Desta forma, pode configurar-se como erro as nossas intenções, e não o ato de pressentir, ou o de se decepcionar. Erramos no caráter, fundamentalmente. E quando erramos, desviamos o curso natural das coisas. O bom curso - e daí não podermos confiar nos estímulos, até que limpemos o canal. Até que nos façamos transparentes novamente.

Um erro nosso leva a outro - nosso ou de outra pessoa.

Mas se as intenções são boas, nossos erros desfazem-se ao nos mostrarmos dignificados pelo arrependimento. Ao pedirmos perdão. Porque erramos, mas inconscientemente. Como diria Sócrates: erramos por ignorância.

Pressentir não é de maneira alguma errado. Nossa curiosidade é motivada pelo pressentimento de que será bom se soubermos tudo o quanto há no universo. Este pressentimento é o que nos leva a evoluir, então seu substrato é essencialmente bom. Ter conhecimento dos fatos é deter poder. Você pode vendê-lo ou dá-lo. O que importa é que você propague, e receba o quanto quiser receber por isso (ou o quanto puder). Mate a curiosidade de outra pessoa, e você estará satisfazendo a ordem evolutiva. Mas por favor, não o detenha. Deter conhecimento é como interromper o curso de um rio. Sim, você pode querer extrair energia dele, e com isso se sustentar, mas faça de forma equitativa e auto-sustentável. Este pressentimento primordialmente correto, na minha opinião, não poderia ter sido preenchido em nós por nós mesmos. Pra mim, são partículas divinas.

Sendo assim, ache, pressinta, procure, busque, e peça desculpas quando se mostrar idefeso quanto às suas falhas (de caráter e consciência, até). E de forma reflexiva, perdoe ao se decepcionar, sempre.

Safe Creative #0801160381523

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